Quando faltam recursos naturais e sobram conflitos políticos e religiosos, inovar se torna questão de sobrevivência. E é isso que Israel tem feito: com um território com pouco mais de 22 mil quilômetros quadrados, dos quais apenas cerca de 20% são cultiváveis, o país do Oriente Médio conseguiu se tornar referência em tecnologia agrícola, cibersegurança e inovação.
Como?
Na nossa última expedição a também conhecida como Startup Nation (nação empreendedora), visitamos órgãos do governo, fundos de investimento, kibutz, universidade, grandes empresas e, claro, startups.
Os números que nos foram apresentados são instigantes: Israel tem mais de 7000 startups; 400 fundos de venture capital; aproximadamente 120 aceleradoras; 35 incubadoras e 80 empresas unicórnios. Das observações e conversas que tivemos, três pontos se destacaram como fundamentais para essa fertilidade inovadora em um país de solos quase inférteis:
1- Imigração
Berço de uma cultura milenar e das três principais religiões do mundo (islamismo, cristianismo e judaísmo), Israel é marcada por movimentos migratórios desde antes do seu surgimento como Estado Nacional, em 1948.
As constantes invasões e guerras pelo território provocaram diversos movimentos migratórios. A primeira diáspora judaica aconteceu em 721 a.C, quando a Síria invadiu o então reino de Israel. Desde então, inúmeros judeus migraram para diferentes países, em sua maioria, árabes.
O retorno desses povos à sua terra natal só começou a acontecer quase dois mil anos depois, durante o movimento sionista que, mais tarde, daria origem ao Estado de Israel. Esse histórico de guerras e migração colaborou para que o país se tornasse rico em culturas, crenças e ideias.
Além da diversidade cultural, a garra do israelense e o amor por sua terra – conquistada à custa de tantos conflitos – fortalecem uma mentalidade inovadora, que busca constantemente o desenvolvimento do país.
2- Serviço militar
Outro ponto importante para a inovação em Israel é seu histórico militar. A iminência do conflito contribuiu para que o país investisse no exército e, principalmente, em novas tecnologias e técnicas de combate. Não é à toa que 35% das suas startups sejam relacionadas à cibersegurança.
O alistamento é obrigatório para os jovens israelenses de 18 anos, sejam mulheres, sejam homens. Grande parte do serviço militar, no entanto, relaciona-se a atividades de backoffice, como o desenvolvimento de novos softwares e outras tecnologias de inteligência.
Além de contar com times com alto nível de instrução educacional, o exército recebe incentivos, tanto do governo quando de outros países, como os Estados Unidos, que contribuem financeiramente. Isso auxilia o desenvolvimento de novas tecnologias.
O resultado é que muitos dos empreendedores das startups venham do exército. Somado ao conhecimento técnico, eles mostram uma excelente mentalidade e habilidades comportamentais desenvolvidas. Resilientes e acostumados com guerras, perdas e ganhos, se uma ideia/startup não dá certo, é fácil partir para outra.
3- Governo
O terceiro ponto essencial para o sucesso do ecossistema de inovação de Israel é o incentivo recebido do governo, tanto através de legislações que favorecem a criação de startups quanto de financiamento, a exemplo da fundação do programa Incubadora de Tecnologia, no início da década de 1990.
Essas empresas apoiam o governo no momento de direcionar os subsídios, que podem chegar a até 85% por parte do governo e 15% da própria incubadora, como é o caso da Trendlines, que trabalha com startups da área da saúde e agrifood. Nesse caso, elas ficam dois anos incubadas e a taxa daquelas que têm sucesso é de 75%.
O investimento, em 2021, do Trendlines group foi de U$ 1.2 bilhões, 100% a mais do que no ano anterior. Outro ponto importante nesse jogo é que o governo só pega o subsídio de volta das startups que tem sucesso, dando ainda mais segurança a essas empresas.
Outra variável importante nessa somatória é a Autoridade de Inovação de Israel (Israel Innovation Authority), uma agência independente financiada publicamente que tem por objetivo oferecer recursos que atendam às necessidades desse ecossistema de inovação. Eles contam com colaboração internacional e já somam 40 acordos globais, sendo dois com o Brasil.
O orçamento anual da agência é de ILS 1.5 bilhão, ou seja, pouco mais de U$ 430 milhões, destinado às startups em estágios iniciais. Das cerca de 4500 submissões por ano, apenas 50% são aprovadas.
Propulsor econômico
Esse ecossistema de inovação é o que move a economia israelense. Só a área de tecnologia corresponde a 15,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, 54,2% das exportações, 10,4% dos trabalhadores e 25% dos impostos recolhidos.
Os números por si só são fascinantes. É interessante, também, ver como os diversos setores – startups, incubadoras, governo, grandes empresas, fundos de venture capital e universidades – se movem juntos para fortalecer o ecossistema de inovação. Das inúmeras iniciativas que tivemos o prazer de conhecer durante a nossa expedição, separamos quatro:
“Nespresso dos vegetais” (Agwa)
Ter verduras, ervas e frutas sem qualquer produto químico e prontas para o consumo entre duas a quatro semanas, direto da cozinha de casa, sem precisar sujar as mãos: essa é a forma como a startup Agwa quer revolucionar a produção de alimentos.
A geladeira Agwa 1.0, também apelidada de “Nespresso dos vegetais”, cultiva as hortaliças através de inteligência artificial. Depois de compradas as cápsulas dos vegetais que deseja, basta colocá-las em um dos buracos nas prateleiras da geladeira e esperar entre duas a quatro semanas para “colhê-los” prontos para o consumo.
O usuário pode acompanhar o crescimento da planta através de um aplicativo para celular, que automatiza o controle da geladeira.
Mel de abelha fora da colmeia (Bee-IO)
Nas últimas duas décadas, um terço das abelhas do mundo foram extintas. A demanda por mel, no entanto, continua crescente. Só em 2021, foram consumidos 2 bilhões de toneladas de mel e o mercado movimentou U$ 8,6 bilhões. Para 2030, a expectativa é que os números cheguem a U$ 13,5 bilhões, o que representa um crescimento de 5,2% ao ano.
Para mitigar o desaparecimento das abelhas e o consumo crescente de mel, a startup Bee-IO conseguiu mimetizar o intestino delas e fazer a produção do néctar dentro da indústria, mantendo as partes medicinais do mel, assim como o gosto. Ele já vem esterilizado e livre de patógenos.
Enquanto aguarda a licença para venda comercial nos EUA, a Bee-IO está trabalhando na construção de uma fábrica para aumentar a capacidade de produção de mel de três toneladas por semana para 100 toneladas. Só para se ter uma noção, a capacidade de produção usando abelhas é de 0,5kg/semana por colmeia.
Água no deserto
Falando no agronegócio, talvez uma das inovações pelas quais Israel seja mais conhecido é relacionado ao sistema de irrigação. Nossa equipe visitou dois kibutz que conseguiram produzir cultivos em um solo árido: o de Naan e o de Hatzerim.
Os kibutz foram criados em 1910 e são comunidades autossustentáveis organizadas sem qualquer hierarquia social. Eles consomem tudo o que produzem e comercializam o excedente. Nos agrupamentos, funcionam atividades agrícolas e propriedades coletivas. Esse tipo de sociedade é movida pelo cooperativismo e famosa pela qualidade do sistema educacional e desenvolvimento interno.
O de Naan surgiu em 1930 e é o maior do país em termos de população, com 1700 habitantes. O sucesso dos seus produtos de irrigação vem da NaaDanJain, resultado da fusão de três empresas do setor. Hoje, eles desenvolvem equipamentos de aspersão, gotejamento e controle de estufa. Cerca de 5% da receita da NaaDanJain é investida em Pesquisa & Desenvolvimento.
Já o kibutz de Hatzerim foi fundado um pouco mais tarde, em 1946. Até 65, eles não conseguiam cultivar nada no solo devido à alta salinidade, o que quase fez com que o governo acabasse com a comunidade. Foi apenas em 1965, quando eles criaram a Netafim, uma das empresas agrícolas mais bem sucedida em Israel e a primeira a desenvolver o sistema de gotejamento no mundo, que eles começaram a produzir culturas. Hoje, a Netafim já está em mais de 110 países e teve uma parte comprada pela Orbia.
É no kibutz de Hatzerim, também, onde fica localizada a principal fábrica de jojoba do mundo, com produção de 1000 toneladas por ano. A produtividade é tão alta que, em 10% da área de jojoba plantada no mundo, eles são responsáveis por 35% do mercado global exportando o óleo da jojoba para empresas como a L’Oréal entre outras de cosméticos de Paris.
O que podemos aprender com Israel?
Se Israel se encaminha para deixar de ser uma Startup Nation, uma vez que as startups estão ficando tão maduras a ponto de se tornarem empresas, o que fez diminuir o surgimento de novas – assim como o número daquelas que acabaram – o Brasil ainda engatinha quando o assunto é inovação.
É unânime a percepção de que temos muito o que aprender com o ecossistema de inovação de Israel. A começar pela própria palavra. O país do Oriente Médio entende e pratica o que ela pede: conexão entre diversos stakeholders. Não dá para falar em ecossistema sem falar da integração de cada parte que o compõem. Isso resulta em governo, universidades, startups, incubadoras, venture capitals e empresas conversando entre si. Se uma dessas partes está desconectada, já não se tem mais um ecossistema.
Outro ponto importante é como o agronegócio israelense foi buscar soluções em outras áreas, como a militar e a de saúde. Os diferentes setores também precisam dialogar e se ajudar. O Brasil esbanja recursos naturais, mas ainda não conseguiu conectar todo o seu ecossistema para extrair o melhor aproveitamento deles e desbravar o potencial inovador do agronegócio.